quarta-feira, 29 de maio de 2019

NUM FIM DE TARDE


Era início de junho. O outono já tomava o mate do estribo e o inverno chegava à galope. O sol acabava de mergulhar por entre os cerros e no céu azul, azul, logo se poderia ver a estrela boieira anunciando a noite. Uma aragem fria completava o quadro.

O açude parecia um espelho plantado na várzea. Os quero-queros davam o sinal de alguma movimentação lá pros lados da coxilha do fundo. O gado começava a se acomodar no parador. As vacas de leite ainda rondavam o potreiro onde os terneiros já quase na fase do desmame ainda retoçavam. 

De não muito distante, vem o balir dos primeiros cordeiros nascidos, o que faz o João Grosso esbravejar contra os graxains, pois ontem encontrou um cordeiro morto com mordidas. A estas alturas a estrela boieira já tem companhia no céu, onde a lua desponta por traz do capão de mato.

O preto Zeca entra no galpão, onde o fogo aquece e ilumina o ambiente. No canto de sempre, o Velho Manoel sorve o mate em sua cuia pequena. Mateia solito, enchendo os mates com água da cambona encarvoada. Geralmente, é de pouca conversa, mas quando está “aluado” é de conversa nenhuma...

Zeca dá um “buenas” e pergunta onde está o Lelo. Depois de longa pausa, o velho responde: “foi levar o milho pros cavalos, aquele lá proseia com os matungos”. O peão dá uma gargalhada, não se sabe se pelo mau humor do velho ou imaginando o amigo a prosear com os cavalos. Vai até um gancho na parede e pega uma guampa de canha, abre a tampa e dá um trago (haarg!!), lambe os beiços e vai reforçar o fogo.

Nisto João Grosso, que ainda falava sozinho dos graxains, se bem que desconfiasse dos cachorros de um vizinho, lascou: “se parar o ventinho vai dar uma geada de renguear cusco”.  Lelo também chega ao galpão. Os moços falam do tempo, das lidas do dia, das carreiras do próximo fim de semana, enquanto passam a guampa do trago. O velho mateia, só e quieto.

Completando o cenário, os cachorros fazem companhia aos peões. João Grosso começa a espetar uma linguiça para assar nas brasas do fogo. Ouve-se o piado de uma coruja. O velho resmunga alguma coisa, inaudível. Os peões falam alto e gargalham. Ali no galpão, ao redor do fogo, se resume o mundo e a vida, num fim de tarde...

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Porto Alegre, Junho/2014




quarta-feira, 22 de maio de 2019

ESTOU COM NEURA


Quarta-feira, "nas antigas" era "Dia de Sofá".

Talvez por esta reminiscência dos tempos idos, e ficados (com a conotação tradicional de "ficar"), a memória do "dia de sofá" lembrou-me da expressão cotidiana, agora não mais com o foco no verbo mas no sujeito (sintaticamente falando).

Pois "estar com Neura", em homenagem a este "bem estar", levou-me a criar o blog TOCOMNEURA. Envolvido com outros temas, há bastante tempo não tenho feito publicações aqui.

Eis que, como "continuo com Neura", resolvi hoje retomar as postagens neste espaço, buscando uma regularidade semanal. Renovo aqui o convite para acompanhamento ao blog, participando com opiniões e comentários sobre os temas abordados. 
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Em tempo, como hoje (22 de maio) é o dia do abraço, convido: abrace quem está próximo de você, física e afetivamente, abrace uma causa (voluntariado, doações de sangue, coisas do gênero).

Como diz a canção: "há tanta vida lá fora..."

DIA DO TRABALHO



As relações de trabalho – Uma retrospectiva pessoal

Aproveito o Dia do Trabalho para compartilhar uma rápida retrospectiva sobre minhas vivências com as “relações de trabalho”. Tive em minha vida profissional a oportunidade de vivenciar por diversos ângulos essa relação, empregador, empregado, ambiente de trabalho.

Como profissional da área de recursos humanos, tive a feliz oportunidade, ao início da carreira, de trabalhar por 5 anos na maior empresa de Caxias do Sul, naquela época, a centenária e tradicional EBERLE. Foi minha “segunda faculdade”, numa empresa que se destacava pelas políticas de gestão de pessoas. Esse aprendizado acompanhou-me pela vida toda e muitas das lições ali aprendidas só fui entender muitos anos depois.

Na sequência, ao iniciar minha atividade na advocacia, por 8 anos advoguei para sindicatos de trabalhadores. Era a outra visão das relações de trabalho, dos conflitos e de um posicionamento voltado para a disputa, com pouco espaço para negociação. O país passava também por transformações e esta fase teve forte influência na formação de minhas convicções e posicionamento como cidadão e profissional.

A roda do tempo andou e, novamente, me encontro na área de recursos humanos de uma grande e centenária empresa, de economia mista, com todas as características e influencias da gestão pública. Minha responsabilidade, adequar a gestão de recursos humanos para uma nova forma de trabalho da empresa, com implantação de um programa de gestão da qualidade e forte investimento em capacitação de pessoas. Foram 3 anos de uma experiência muito gratificante. Nesse período, fiz a especialização acadêmica em Gestão de RH (PUC).

Na continuidade, passei os próximos 4 anos em uma função executiva na administração pública estadual, também com a responsabilidade pela implantação de um programa de qualidade no serviço público e gestão de pessoas. Igualmente, uma experiência rica sob todos os aspectos de aprendizado, a qual culminou com a premiação de nossa equipe em um certame estadual de qualidade e minha participação em uma missão de estudos aos Estados Unidos, com um curso de extensão sobre qualidade no serviço público.

Nesse momento, sentindo-me apto para compartilhar a experiência adquirida, e com vontade de “sentir novos ares”, virei consultor e literalmente ganhei a estrada. Como consultor credenciado ao SEBRAE, por uma dúzia de anos percorri de canto a canto nosso estado, trabalhando com públicos diversos dentro da área de atuação da instituição, prevalecendo o foco nas áreas de “associativismo e cooperativismo” e “desenvolvimento de grupos” para atuação solidária.

Em simultâneo, nesse mesmo período, trabalhei em consultorias na área de gestão pública, com prefeituras e câmaras municipais nos estados da região sul, sempre envolvendo, dentre outros temas, a gestão de pessoas e o ambiente de trabalho. Também tive uma passagem pelo terceiro setor, atuando em cursos de formação e desenvolvimento de gestores de organizações sociais.

Em resumo, ao longo de minha trajetória profissional, em cargos executivos, como consultor e como docente (tive por muitos anos o prazer da sala de aula e a honra de ser chamado de “professor”), sempre estive diretamente vinculado às relações de trabalho, ao convívio das pessoas no e com o trabalho. Além de uma atividade profissional que trouxe grande satisfação, colhi dessas vivências o profundo sentido humano do trabalho, independente de sua natureza, complexidade ou “aparente” importância da atividade exercida.

Em minha concepção, o trabalho, como atividade humana, completa e dá sentido à vida. Jamais deveria ser uma forma de exploração de um ser humano pelo outro, numa relação de poder, mas sim uma fonte de cooperação, de complemento de aptidões, um ato de servir. É assim que vejo o trabalho, é assim que procuro conduzir minha atividade profissional.

Cumprimentos a todos que fazem do trabalho, mais do que uma simples relação de troca e sustento material, um ato de sentido à vida, um gesto de servir.
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Nota: alguns amigos que me conhecem como advogado talvez estejam perguntando quando eu exerci a advocacia. Sempre, simultaneamente com outras atividades. Como diz um dos meus manos: “quem corre porque gosta não cansa...”

PARABÉNS PORTO ALEGRE



Hoje comemoramos o aniversário da "Capital de Todos os Gaúchos". 247 anos.

Porto Alegre é mais do que a "capital de todos os gaúchos". Este "alegre porto" foi, e continua sendo, a cidade que recebe brasileiros de todas as querências, "hermanos" dos países do prata e andinos, gentes de muitos lugares e de muitas línguas, que aqui chegando, misturam suas saudades e sotaques, nos domingos no Parque da Redenção, na beira do Guaíba, no Mercado Público, nas noites do Bom Fim, da Cidade Baixa, da Padre Chagas, nos festejos do "Mês Farroupilha", nos gritos das torcidas no Gre-Nal, nos espetáculos do Teatro São Pedro, enfim, no cotidiano da vida... 

Como filho adotivo e cidadão desta "provinciana metrópole", que as poucos fui conhecendo e me encantando, fico pensando como seria bom ter longos braços, muito longos, que permitissem abraçá-la de um modo tão afetuoso e acolhedor como ela me acolheu e abraçou naquele distante março de 1992, quando aqui cheguei trazendo esperança e disposição para trabalhar. Eu que saia de minha aldeia "puxado para traz", fincado em minhas raízes, aqui descobri que é possível ter "asas" sem perder as "raízes". Sim, Porto Alegre me permitiu vôos que ampliaram minha visão do mundo e da vida. 

Não podendo fisicamente abraçar a nossa Porto Alegre, no dia de seu aniversário, abraço-a em cada amigo, em cada "novo irmão", que ganhei aqui. 

Feliz Aniversário Porto Alegre! 

Que possamos, junto com teus muitos filhos, naturais e adotivos, comemorar esta data por longo tempo!
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Publicado no facebook dia 26/03/2019

MAIS FÉ E ESPERANÇA, MAIS AMOR NOS CORAÇÕES...



Hoje, acordei com um enxame de pensamentos que, como mutucas, ficavam me ferroando enquanto cevava o mate:

- a crise econômica que já ultrapassa os 4 anos;
- a nação dividida, pelos semeadores da apologia do ódio;
- as tragédias que vão da Barragem de Brumandinho, passando pelo incêndio na sede do Flamengo (RJ), culminando com a morte do jornalista âncora da Band;
- a família inteira extinta num acidente de trânsito;
- e outras tantas tragédias e perdas, em destaque nacional ou no círculo próximo.

No meu jeitão campeiro, pensei: "preciso me benzer!"
Aí, veio a lembrança terna da Preta Velha Benzedeira, minha conterrânea Tia Vergínia, falecida aos 104 anos de idade, a quem homenageei com uma composição em festival local (Santana da Boa Vista) no ano seguinte ao seu falecimento.

A composição PRETA VELHA BENZEDEIRA, levada ao palco do festival pela voz de meu amigo e parceiro Arthur Garcia, foi premiada como "A Mais Popular", em escolha feita pelo público.

Os dois últimos versos, em pedido que faço à Preta Velha, dão o título desta postagem. Creio que estamos precisando disto: mais FÉ e ESPERANÇA, mais AMOR nos corações.

Com a simples intenção de gerar energias positivas, compartilho com os amigos meus versos, renovando à Preta Velha o pedido.

(...)
E agora que estás, mãe preta
Junto de nosso Senhor
Será que podes pedir
Uma graça, por favor
Nossa gente anda sofrida
Com tantas desilusões
Mande mais fé e esperança
Mais amor nos corações

ADVOGADO SIM, COM ORGULHO



Tenho assistido, nos últimos tempos, ataques frequentes à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), alguns postados por pessoas de minhas relações próximas. Não me atingem, nem me indispõem com essas pessoas. Afinal, exerço há 35 anos uma profissão na qual convivemos diariamente com a adversidade, entendendo que a solução dos conflitos pela via das normas legais é a única forma que a civilização encontrou para sair da barbárie, das soluções pela força.

Nunca exerci cargos de direção nas seccionais da OAB por onde passei, nem tenho procuração para defender a Ordem. Contudo, diante dos ataques uníssonos e crescentes, creio estar legitimado para este comentário.

Os ataques e críticas, em sua origem inspiradora (as fábricas de "posts" para redes sociais), não tem como alvo a gestão da OAB ou a atuação dos advogados. O verdadeiro alvo, que talvez muitos nem percebam, é o Estado de Direito, a Democracia, as Garantias Fundamentais do cidadão.

Os advogados representam, mais do que qualquer outra profissão, a defesa do Direito e da Liberdade. Exatamente por este fato, em todos os tempos, foram atacados, e até cerceados em sua atuação, por aqueles que defendem o "direito da força" em lugar da "força do direito".

Pessoalmente, com a experiência de quem iniciou a profissão ainda nos tempos de regime de exceção, exercendo a defesa dos menos favorecidos, diante do abuso de autoridades, do poder político ou econômico, coleciono histórias de ameaças (algumas sutis, outras nem tanto) e até de boicote profissional.

Com a devida vênia, me alongo no comentário e talvez cause desconforto. Penso necessário, contudo, diante da mal disfarçada campanha buscando a desmoralização da classe profissional que representa a garantia da defesa da liberdade contra o abuso de poder.

A Constituição Federal, Lei Magna do país, define no art. 133: O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

É esta prerrogativa institucional que incomoda a todos aqueles que simpatizam ou fazem a apologia do autoritarismo e do desrespeito às garantias fundamentais.

Para concluir, declaro que esta postagem não tem "endereço destinado" . Tem, sim, a intenção de trazer o contra-ponto ao que vejo como uma "campanha assessória" de intenções mais abrangentes, para as quais os "defensores da liberdade" constituem um estorvo.

Escolhi a advocacia como profissão, sem dela fazer "banca de mercado" ou "escada para ascensão social ou política". Sou, simplesmente, um provinciano advogado, com muito orgulho, sempre de pé e à ordem para a defesa da liberdade.

DAS ANTIGAS (Lá em Caçapava)



Hoje lembrei de um fato acontecido em Caçapava, lá pela década de 70, no tempo em que a loteria esportiva alimentava o sonho de "fazer os 13 pontos".

Tinha um cidadão, profissional autônomo, com boa clientela, mas chegado numa farra, gastava muito mais do que ganhava. Dizem que devia "uma vela para cada santo"... (se algum amigo caçapavano conhece a história, por favor "preserve" o nome de nosso personagem).

Um belo domingo, final da tarde, o dito cidadão pegou o cartão da loteria esportiva e correu até o Café do Jacó para conferir. Um ponto, dois, três... onze, doze... TREZE !!! Sim, fez os 13 pontos.

Deu um berro, tirou a camisa e jogou no chão, pisando em cima, e gritou: "me cobrem conta agora, me protestem "as letra", e baixando o tom disse aos mais próximos "hoje não tem china pobre...".

Ninguém sabe como, naquele tempo, a notícia se espalhou tão rápido. Na "Rua 15" já uma meia dúzia de carros iniciava uma carreata, com foguetes e gritos de louvação ao novo rico...

De outra banda já vinha alguém com a carne para o churrasco e alguns parceiros já providenciavam a bebida (dizem que dentre os mais entusiasmados, muitos credores).

A carreata ainda não tinha feito a volta dentro do Forte D. Pedro II, final da Rua 15 (já Ulhoa Cintra), quando o rádio anunciou que o certame tivera milhares de ganhadores e o prêmio estimado seria uma verdadeira "merreca".

Não sei bem o final da história, mas ouvi falar da frustração geral, um punhado de credores indignados e o personagem escapulindo de fininho e indo afogar as magoas distante dali, num retiro no Passo do Salso. É o que o povo comentava...